segunda-feira, setembro 25, 2006

"A gente sempre destrói aquilo que mais ama
em campo aberto, ou numa emboscada;
alguns com a leveza do carinho
outros com a dureza da palavra;
os covardes destroem com um beijo,
os valentes com a espada."
(Oscar Wilde, "Balada do Cárcere de Reading".)

Confesso: li os versos acima pela primeira vez na introdução de "Brida", de Paulo Coelho nos distantes idos do início dos anos 90. Se não me lembro mais sobre o que falava o livro do afamado escritor, nunca consegui esquecer o texto de Wilde.
O poema me tocou mais fundo ainda quando assisti há dois anos a montagem de "Di Profundis" no Espaço dos Satyrus, na velha Praça Rooselvet em São Paulo. (Creio que o próprio Wilde teria adorado poder dar voltas noturnas atrás da igreja da Consolação).
Na peça, sobre o caso e desfecho trágico do amor entre o escritor britânico e o nobre "Boosie", um rapaz de 17 anos, o que mais me marcou foi o sentimento que levou Wilde a escrever: não, ele não estava desabafando a traição de Boosie, ou reclamando o tratamento recebido por ele pela Justiça inglesa que praticamente destruiu sua vida. Tudo que lhe doía era o fato de Boosie não ter ido nunca visitá-lo na prisão ou nunca ter lhe escrito uma única linha, enquanto Wilde, desesperado enviava poemas ao rapaz quase todos os dias...
Ao chegar ao cemitério Pére Lachaise, um dos primeiros lugares que visitei em Paris, fiz questão absoluta de ir o túmulo do dândi britânico. Aliás, aquela era a única sepultura de um famoso, naquela necrópole onde só estão enterrados cânones da cultura mundial, que quis realmente localizar. (Creio que foi solidariedade entre dândis o motivo de minha visita...sim, podem dizer que estou insuportável...é previsível)
Entre mausoléus acinzentados e antigos, muitos deles construídos no início do século XIX quando o cemitério foi inaugurado, encontro a tumbe de Sir Wilde. Para minha surpresa, sua última casa é toda recoberta de marcas de batom e declarações de amor e admiração incondicionais. Muitas delas em português, inclusive
Dois dias depois, ao tentar embarcar para Londres num trem da Eurostar compreendi enfim porque o escritor foi enterrado em solo francês. A Lei inglesa por vezes é por demais severa e cega com os dândis alternativos....
De qualquer maneira se o presente destruiu o autor inglês, o futuro se encarregou de transformá-lo num ídolo. Digo ídolo, palavra tão usada nos dias de hoje, porque gênio o rapaz sempre foi. O tempo é senhor da razão e se algo que ele possa fazer é nos ajudar a perdoar o que quer que tenha ocorrido. As marcas de batom são provas irrefutáveis disto. Alguém se lembra do nome do juiz que condenou Wilde???
Claro que não. Mas ele permaneceu. Não na posteridade, esse lugar distante de difícil acesso ao qual homens como ele não querem chegar. Mas no imaginário e por que não dizer corações, das pessoas que certamente lhe despertariam a atenção durante a sua terrible tour pela vida ordinária...
"A gente sempre destrói aquilo que mais ama
em campo aberto, ou numa emboscada;
alguns com a leveza do carinho
outros com a dureza da palavra;
os covardes destroem com um beijo,
os valentes com a espada."
(Oscar Wilde, "Balada do Cárcere de Reading".)

Confesso: li os versos acima pela primeira vez na introdução de "Brida", de Paulo Coelho nos distantes idos do início dos anos 90. Se não me lembro mais sobre o que falava o livro do afamado escritor, nunca consegui esquecer o texto de Wilde.
O poema me tocou mais fundo ainda quando assisti há dois anos a montagem de "Di Profundis" no Espaço dos Satyrus, na velha Praça Rooselvet em São Paulo. (Creio que o próprio Wilde teria adorado poder dar voltas noturnas atrás da igreja da Consolação).
Na peça, sobre o caso e desfecho trágico do amor entre o escritor britânico e o nobre "Boosie", um rapaz de 17 anos, o que mais me marcou foi o sentimento que levou Wilde a escrever: não, ele não estava desabafando a traição de Boosie, ou reclamando o tratamento recebido por ele pela Justiça inglesa que praticamente destruiu sua vida. Tudo que lhe doía era o fato de Boosie não ter ido nunca visitá-lo na prisão ou nunca ter lhe escrito uma única linha, enquanto Wilde, desesperado enviava poemas ao rapaz quase todos os dias...
Ao chegar ao cemitério Pére Lachaise, um dos primeiros lugares que visitei em Paris, fiz questão absoluta de ir o túmulo do dândi britânico. Aliás, aquela era a única sepultura de um famoso, naquela necrópole onde só estão enterrados cânones da cultura mundial, que quis realmente localizar. (Creio que foi solidariedade entre dândis o motivo de minha visita...sim, podem dizer que estou insuportável...é previsível)
Entre mausoléus acinzentados e antigos, muitos deles construídos no início do século XIX quando o cemitério foi inaugurado, encontro a tumbe de Sir Wilde. Para minha surpresa, sua última casa é toda recoberta de marcas de batom e declarações de amor e admiração incondicionais. Muitas delas em português, inclusive
Dois dias depois, ao tentar embarcar para Londres num trem da Eurostar compreendi enfim porque o escritor foi enterrado em solo francês. A Lei inglesa por vezes é por demais severa e cega com os dândis alternativos....
De qualquer maneira se o presente destruiu o autor inglês, o futuro se encarregou de transformá-lo num ídolo. Digo ídolo, palavra tão usada nos dias de hoje, porque gênio o rapaz sempre foi. O tempo é senhor da razão e se algo que ele possa fazer é nos ajudar a perdoar o que quer que tenha ocorrido. As marcas de batom são provas irrefutáveis disto. Alguém se lembra do nome do juiz que condenou Wilde???
Claro que não. Mas ele permaneceu. Não na posteridade, esse lugar distante de difícil acesso ao qual homens como ele não querem chegar. Mas no imaginário e por que não dizer corações, das pessoas que certamente lhe despertariam a atenção durante a sua terrible tour pela vida ordinária...

quinta-feira, setembro 14, 2006

Sobre o tempo...

Mercado de Peixe comemora dez anos no Sesc Pompéia

Em setembro de 1996, um grupo de estudantes da Unesp de Bauru apresentou-se no Festival de Música de Ilha Solteira com o nome Mercado de Peixe, uma combinação entre MPB, rock, choro e samba. Nos meses seguintes, o grupo foi em frente, destruindo baldes de plástico usados como instrumentos nas festas de repúblicas e carregando os amplificadores, guitarras e tudo mais nas costas. Um dos palcos preferidos naquela época era o Forró do Cavalieri. No pequeno terreiro de dança, a galera ia ao delírio quando girava, de braços dados com o povo - aquilo sim era underground. Com este espírito o Mercado de Peixe se manteve vivo, sempre militando na independência com o seu selo, Coletivo Samacô, desmistificando a cultura popular e tacando fogo por onde passa. O EP "Territórios Interioranos" traz de volta o espírito do início de banda. A inspiração vem das viagens do grupo pelas estradas e mantém a simplicidade folk-punk de "Roça Elétrica", álbum que saiu pela gravadora Atração. Dez anos depois, o Mercado de Peixe continua militante do pop do interior paulista. Bora lá! Serviço SESC Pompéia. Chopeira.

Ingressos: R$ 12,00; R$ 9,00 (usuário matriculado). R$ 4,00 (trabalhador no comércio e serviços matriculado e dependentes). R$ 6,00 (acima de 60 anos e estudantes com carteirinha). Dia 23/09 Sábado, 21h.

domingo, setembro 03, 2006


GINECEU


Segunda-feira de sol, manhã levemente silenciosa. Preciso de pétalas para forrar um pequeno ataúde que encerra mais uma vez esperança. Adentro talvez a floricultura mais antiga de São Paulo, na Rua da Consolação. Ali em frente, restos daquilo que um dia formou o todo mais importante da cidade descansam em paz, apesar do vai-e-vem incessante dos automóveis.
Um idoso e cocho senhor, que muito provavelmente se criou ali atrás daqueles velhos balcões de madeira escura e acabamento que lembra art noveau, está comendo um sanduíche. Apressa-se em sorrir e me dizer "bom dia". Mas eu limito-me a responder:
Preciso somente de pétalas de rosas...
Infelizmente não temos. Para guardá-las o senhor deveria ter avisado antes. Jogamos tudo fora...
Que pena!
Mas posso despetalar rosas se o senhor quiser! É só escolher que eu faço isso.
Sigo para a frente da loja. Penso que aquele lugar deve ter sido um luxo um dia. Ali muitos amantes abastados compraram flores e outros tantos cidadãos de luvas e chapéus enviaram coroas de condolências a amigos e entes queridos e também não tão queridos assim.
Escolho três rosas vermelhas como o sangue ou o amor que nestes dias correm nas veias. Por que a existência tem de ser tão visceral? Volto e as entrego ao homem que parece ter saído de um conto de Machado de Assis.
Nossa! Que belas rosas o senhor escolheu. (Nestas horas, em que um ancião me chama de "senhor" sinto o peso do tempo inexorável). Dá até pena de despetalá-las!
É meu senhor, mas algumas vezes é necessário...
Habilmente, o florista tira as pétalas sem estragar a estrutura da rosa. Agressão apenas ao tirar os espinhos dos mimos para que não se fira os dedos dos enamorados. Olho para o gineceu daquelas flores nuas... lembro-me então de velhas aulas de Biologia. Abelhas, colibris e beija-flores insistem em continuar as fecundando. Quanto de poesia há no mundo. Tanta inutilidade necessária perante a efemeridade e delicada aspereza do mundo.
É o ventre desnudo e inesperado que lembra que o cosmo e o microcosmo são a mesma coisa. Neles continuamos a tentar...Como o gineceu das flores, o vento materno e o planeta Terra, a cabeça do homem fecunda, sonha, floresce e perde suas pétalas...