GINECEU
Segunda-feira de sol, manhã levemente silenciosa. Preciso de pétalas para forrar um pequeno ataúde que encerra mais uma vez esperança. Adentro talvez a floricultura mais antiga de São Paulo, na Rua da Consolação. Ali em frente, restos daquilo que um dia formou o todo mais importante da cidade descansam em paz, apesar do vai-e-vem incessante dos automóveis.
Um idoso e cocho senhor, que muito provavelmente se criou ali atrás daqueles velhos balcões de madeira escura e acabamento que lembra art noveau, está comendo um sanduíche. Apressa-se em sorrir e me dizer "bom dia". Mas eu limito-me a responder:
Preciso somente de pétalas de rosas...
Infelizmente não temos. Para guardá-las o senhor deveria ter avisado antes. Jogamos tudo fora...
Que pena!
Mas posso despetalar rosas se o senhor quiser! É só escolher que eu faço isso.
Sigo para a frente da loja. Penso que aquele lugar deve ter sido um luxo um dia. Ali muitos amantes abastados compraram flores e outros tantos cidadãos de luvas e chapéus enviaram coroas de condolências a amigos e entes queridos e também não tão queridos assim.
Escolho três rosas vermelhas como o sangue ou o amor que nestes dias correm nas veias. Por que a existência tem de ser tão visceral? Volto e as entrego ao homem que parece ter saído de um conto de Machado de Assis.
Nossa! Que belas rosas o senhor escolheu. (Nestas horas, em que um ancião me chama de "senhor" sinto o peso do tempo inexorável). Dá até pena de despetalá-las!
É meu senhor, mas algumas vezes é necessário...
Habilmente, o florista tira as pétalas sem estragar a estrutura da rosa. Agressão apenas ao tirar os espinhos dos mimos para que não se fira os dedos dos enamorados. Olho para o gineceu daquelas flores nuas... lembro-me então de velhas aulas de Biologia. Abelhas, colibris e beija-flores insistem em continuar as fecundando. Quanto de poesia há no mundo. Tanta inutilidade necessária perante a efemeridade e delicada aspereza do mundo.
É o ventre desnudo e inesperado que lembra que o cosmo e o microcosmo são a mesma coisa. Neles continuamos a tentar...Como o gineceu das flores, o vento materno e o planeta Terra, a cabeça do homem fecunda, sonha, floresce e perde suas pétalas...
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