Faz tempo que não acirramos os ânimos por aqui.. rs
Então aí vai a minha matéria, publicada hoje, sobre o Oscar 2004....
Mais do mesmo
São Paulo, 27 de Fevereiro de 2004 - T odos os anos é a mesma coisa. Tapete vermelho, um batalhão de fotógrafos e jornalistas, celebridades vestidas com gosto duvidoso, cerimônia longa e piadas sem-graça. Se a repetição ocorresse apenas na apresentação do Oscar, festa máxima do cinema americano, tudo bem. O problema é que a Academia de Artes e Ciências Cinematográficas também insiste em indicar aos prêmios longas com formatos e histórias já consagrados no cinema americano, independentemente da categoria em que estejam concorrendo.
Hollywood muito pouco tem se aberto para novas narrativas e formatos, que possam no mínimo surpreender o público no decorrer do desenvolvimento de um filme. A fórmula maniqueísmo somado a muita adrenalina e final catártico continua imperando na maioria dos longas selecionados. A começar pelo próprio "O Senhor dos Anéis - o Retorno do Rei", que concorre em 11 categorias, entre elas melhor filme e diretor - com chance de levar as duas estatuetas. Salvo exceções como "Cidade de Deus", representante brasileiro que concorre a quatro Oscars, e "Encontros e Desencontros", de Sofia Coppola, que está indicado a três categorias: Filme, Direção e Ator Principal, os outros filmes, apesar de realização impecáveis, têm desenvolvimento e finais absolutamente previsíveis.
Ocorre que os membros da Academia parecem adotar de maneira irrestrita para a seleção dos indicados os paradigmas do que seja um bom filme, segundo critérios do professor de roteiro Syd Field. Para ele um filme é "uma história contada em imagens", tendo o roteiro como ponto de partida para o bom desenvolvimento da obra audiovisual. O professor defende a velha estrutura aristotélica, com apresentação, confrontação e resolução como forma ideal de todo longa, mas observa que esta forma não deve se converter em uma fôrma, sob o custo de se tolher a criatividade em uma obra cinematográfica.
Justamente as fôrmas imperam na maioria dos filmes escolhidos para o Oscar. Uma obra como "Encantadora de Baleias", produção neozelandesa, dirigida por Niki Karo, que tem a adolescente Keisha Castle-Hughes indicada como Melhor Atriz, apesar de contar uma história sobre as tradições ancestrais maori, se desenvolve no mais que utilizado "molde" da protagonista obstinada e rejeitada por alguém, no caso seu avô, que precisa provar que é capaz de fazer algo ou ocupar uma posição anteriormente só permitida aos homens.
O mesmo pode se dizer sobre a saga de "O Senhor dos Anéis", dirigida por Peter Jackson. Apesar de gravado de uma única vez, também na Nova Zelândia, o filme estreou em três partes entre os Natais de 2001 a 2003, arrecadando, segundo informações divulgadas pelo jornal "The New York Times", US$ 2,3 bilhões desde o primeiro lançamento. A legião de fãs, herdadas dos leitores dos três livros de J.R.R. Tolkien, somada à perfeição na direção de arte, trilha, e outros recursos técnicos faz do filme um exemplo típico do cinema que a Academia mais adora. Prova disso é que, mesmo antes do final da trilogia, os dois primeiros episódios já receberam juntos seis estatuetas.
Tudo seria perfeito se não fosse mais uma vez a velha estrutura maniqueísta que marca a grande parte das atuais trilogias . O megafilme de Jackson gasta as suas quase dez horas para contar uma história que termina com a destruição do mal, a vitória dos personagens do bem e com um discurso do rei das "Terras Médias" que caberia perfeitamente na boca de qualquer presidente americano, independentemente de seu partido político. Isso sem mencionar as águias - ave símbolo dos Estados Unidos - que surgem no final para ajudar os "mocinhos".
Na mesma linha "exaltação disfarçada ao império americano", concorrendo a dez estatuetas, "Mestre dos Mares - o Lado Mais Distante do Mundo", estrelado por Russell Crowe, que apesar de ter ganho o Oscar de Melhor Ator, por sua atuação em "Gladiador", continua a quintessência da "canastrice", conta a história de um capitão inglês que persegue um navio francês na costa brasileira durante o período das invasões napoleônicas. Claro que o navio francês é mais poderoso que o inglês, mas obviamente, o "capitão" Crowe arma um estratagema que garante a vitória sobre o "perigo francês". Em dez minutos, qualquer espectador que entenda minimamente de cinema é capaz de adivinhar o fim do filme, e na cena da batalha final quando está se desfraldando a bandeira inglesa o plano escolhido leva o público a pensar que se trata de uma bandeira americana. Alguma dúvida da intenção do filme em exaltar os feitos de guerra inglesa, nação que originou a América?
Na contramão da mesmice, que mais uma vez é a grande estrela na festa do Oscar, destacam-se "Cold Mountain", de Anthony Minguella e "Sobre Meninos e Lobos". Os longas, que também seguem a forma proposta por Syd Field de se realizar um "bom filme", se destacam por não se renderem às fôrmas tradicionais. O filme de Minghella, já consagrado pela Academia por "O Paciente Inglês", em 1998, pode não ter a força expressiva de "O Talentoso Ripley", seu último longa, mas ainda é capaz de surpreender exatamente por sua história de amor simples e bem fotografada.
Não são novidades romances que se passam durante a Guerra da Secessão americana. Basta lembrar de "E o Vento Levou", um dos filmes mais famosos da história do cinema. A exemplo do que um dia fez Victor Fleming com Scarlett O’Hara e Rhett Butler, os protagonistas de "Cold...", vividos por Nicole Kidman e Jude Law, também não têm um final feliz. Aliás, o diferencial da obra é que ao contrário da maioria das histórias românticas, o casal principal desenvolve tramas paralelas enquanto estão separados. Ponto para Minghella que, ao não se render ao "happy end", continua construindo uma carreira autoral, mesmo fazendo cinema para a poderosa "Miramax", que em 2004, após 12 anos consecutivos, não conseguiu emplacar nenhum de seus longas na categoria "Melhor Filme".
O mesmo se pode dizer sobre o "lobo" Eastwood. Ator de carreira sólida na América, neste trabalho como diretor surpreende o público contando uma história que pode ser considerada como "neo noir". Nenhum personagem criado por Eastwood, que também assina o roteiro do filme, é exatamente o que aparenta e no decorrer da narrativa vários fatos acontecem não dando espaço para que se preveja o que irá acontecer na próxima seqüência. Filme simples, de narrativa linear, mas de argumento denso, que faz jus às seis indicações que recebeu, entre elas de filme, direção e ator para Sean Penn.
As boas surpresas vindas da Academia para a festa dos "medalhões já consagrados" ficam por conta de "Encontros e Desencontros" - título desastroso em português para "Lost in Translation" e "Cidade de Deus". Se o primeiro trabalho de Sofia Coppola, "As Virgens Suicidas", de 2000, já era bem construído e impressionava pela temática "indigesta", "Encontros...", que resgatou do ostracismo Bill Murray - que concorre como melhor ator - trata justamente da perplexidade dos protagonistas ao se depararem com a cultura japonesa, em viagem a Tóquio. A filha de Francis Ford exibe de maneira sutil o sentimento de estranhamento de suas personagens perante as grandes megalópoles mundiais que se parecem tanto se vistas de longe, mas que mantêm suas idiossincrasias, a despeito de todo processo de globalização.
Sem o clima de "Copa do Mundo" que marcou todas as participações brasileiras no Oscar, durante a década de 90, as quatro indicações de "Cidade de Deus" corrigiram a "injustiça" de que tanto reclamou Harvey Weinstein, presidente da Miramax, pelo fato do filme não ter concorrido o ano passado na categoria "Filme Estrangeiro". O longa de Fernando Meirelles e Katia Lund - ignorada pela Academia - tem boas chances em montagem e roteiro adaptado. Independentemente de ganhar ou não uma ou mais estatuetas, o filme tem o mérito de colocar o Brasil em categorias importantes do Oscar, como direção e fotografia, ampliando o feito de Fernanda Montenegro, ao ser indicada em 1999 como Melhor Atriz por sua participação em "Central do Brasil", de Walter Salles, que também concorreu como "Filme Estrangeiro".
A história do núcleo habitacional tomado pelo tráfico de drogas no decorrer da década de 70 segue a forma hollywoodiana. A fôrma nem de longe. Apesar de as indicações darem munição aos críticos contrários ao filme, um Oscar, além de completar a galeria de grandes premiações que têm marcado o cinema brasileiro da Retomada, garantiria uma injeção de ânimo, principalmente nos investidores, para que o cinema brasileiro continue no ritmo de produção em que se encontra.
(Gazeta Mercantil/Fim de Semana7)(Márcio Rodrigo)
Então aí vai a minha matéria, publicada hoje, sobre o Oscar 2004....
Mais do mesmo
São Paulo, 27 de Fevereiro de 2004 - T odos os anos é a mesma coisa. Tapete vermelho, um batalhão de fotógrafos e jornalistas, celebridades vestidas com gosto duvidoso, cerimônia longa e piadas sem-graça. Se a repetição ocorresse apenas na apresentação do Oscar, festa máxima do cinema americano, tudo bem. O problema é que a Academia de Artes e Ciências Cinematográficas também insiste em indicar aos prêmios longas com formatos e histórias já consagrados no cinema americano, independentemente da categoria em que estejam concorrendo.
Hollywood muito pouco tem se aberto para novas narrativas e formatos, que possam no mínimo surpreender o público no decorrer do desenvolvimento de um filme. A fórmula maniqueísmo somado a muita adrenalina e final catártico continua imperando na maioria dos longas selecionados. A começar pelo próprio "O Senhor dos Anéis - o Retorno do Rei", que concorre em 11 categorias, entre elas melhor filme e diretor - com chance de levar as duas estatuetas. Salvo exceções como "Cidade de Deus", representante brasileiro que concorre a quatro Oscars, e "Encontros e Desencontros", de Sofia Coppola, que está indicado a três categorias: Filme, Direção e Ator Principal, os outros filmes, apesar de realização impecáveis, têm desenvolvimento e finais absolutamente previsíveis.
Ocorre que os membros da Academia parecem adotar de maneira irrestrita para a seleção dos indicados os paradigmas do que seja um bom filme, segundo critérios do professor de roteiro Syd Field. Para ele um filme é "uma história contada em imagens", tendo o roteiro como ponto de partida para o bom desenvolvimento da obra audiovisual. O professor defende a velha estrutura aristotélica, com apresentação, confrontação e resolução como forma ideal de todo longa, mas observa que esta forma não deve se converter em uma fôrma, sob o custo de se tolher a criatividade em uma obra cinematográfica.
Justamente as fôrmas imperam na maioria dos filmes escolhidos para o Oscar. Uma obra como "Encantadora de Baleias", produção neozelandesa, dirigida por Niki Karo, que tem a adolescente Keisha Castle-Hughes indicada como Melhor Atriz, apesar de contar uma história sobre as tradições ancestrais maori, se desenvolve no mais que utilizado "molde" da protagonista obstinada e rejeitada por alguém, no caso seu avô, que precisa provar que é capaz de fazer algo ou ocupar uma posição anteriormente só permitida aos homens.
O mesmo pode se dizer sobre a saga de "O Senhor dos Anéis", dirigida por Peter Jackson. Apesar de gravado de uma única vez, também na Nova Zelândia, o filme estreou em três partes entre os Natais de 2001 a 2003, arrecadando, segundo informações divulgadas pelo jornal "The New York Times", US$ 2,3 bilhões desde o primeiro lançamento. A legião de fãs, herdadas dos leitores dos três livros de J.R.R. Tolkien, somada à perfeição na direção de arte, trilha, e outros recursos técnicos faz do filme um exemplo típico do cinema que a Academia mais adora. Prova disso é que, mesmo antes do final da trilogia, os dois primeiros episódios já receberam juntos seis estatuetas.
Tudo seria perfeito se não fosse mais uma vez a velha estrutura maniqueísta que marca a grande parte das atuais trilogias . O megafilme de Jackson gasta as suas quase dez horas para contar uma história que termina com a destruição do mal, a vitória dos personagens do bem e com um discurso do rei das "Terras Médias" que caberia perfeitamente na boca de qualquer presidente americano, independentemente de seu partido político. Isso sem mencionar as águias - ave símbolo dos Estados Unidos - que surgem no final para ajudar os "mocinhos".
Na mesma linha "exaltação disfarçada ao império americano", concorrendo a dez estatuetas, "Mestre dos Mares - o Lado Mais Distante do Mundo", estrelado por Russell Crowe, que apesar de ter ganho o Oscar de Melhor Ator, por sua atuação em "Gladiador", continua a quintessência da "canastrice", conta a história de um capitão inglês que persegue um navio francês na costa brasileira durante o período das invasões napoleônicas. Claro que o navio francês é mais poderoso que o inglês, mas obviamente, o "capitão" Crowe arma um estratagema que garante a vitória sobre o "perigo francês". Em dez minutos, qualquer espectador que entenda minimamente de cinema é capaz de adivinhar o fim do filme, e na cena da batalha final quando está se desfraldando a bandeira inglesa o plano escolhido leva o público a pensar que se trata de uma bandeira americana. Alguma dúvida da intenção do filme em exaltar os feitos de guerra inglesa, nação que originou a América?
Na contramão da mesmice, que mais uma vez é a grande estrela na festa do Oscar, destacam-se "Cold Mountain", de Anthony Minguella e "Sobre Meninos e Lobos". Os longas, que também seguem a forma proposta por Syd Field de se realizar um "bom filme", se destacam por não se renderem às fôrmas tradicionais. O filme de Minghella, já consagrado pela Academia por "O Paciente Inglês", em 1998, pode não ter a força expressiva de "O Talentoso Ripley", seu último longa, mas ainda é capaz de surpreender exatamente por sua história de amor simples e bem fotografada.
Não são novidades romances que se passam durante a Guerra da Secessão americana. Basta lembrar de "E o Vento Levou", um dos filmes mais famosos da história do cinema. A exemplo do que um dia fez Victor Fleming com Scarlett O’Hara e Rhett Butler, os protagonistas de "Cold...", vividos por Nicole Kidman e Jude Law, também não têm um final feliz. Aliás, o diferencial da obra é que ao contrário da maioria das histórias românticas, o casal principal desenvolve tramas paralelas enquanto estão separados. Ponto para Minghella que, ao não se render ao "happy end", continua construindo uma carreira autoral, mesmo fazendo cinema para a poderosa "Miramax", que em 2004, após 12 anos consecutivos, não conseguiu emplacar nenhum de seus longas na categoria "Melhor Filme".
O mesmo se pode dizer sobre o "lobo" Eastwood. Ator de carreira sólida na América, neste trabalho como diretor surpreende o público contando uma história que pode ser considerada como "neo noir". Nenhum personagem criado por Eastwood, que também assina o roteiro do filme, é exatamente o que aparenta e no decorrer da narrativa vários fatos acontecem não dando espaço para que se preveja o que irá acontecer na próxima seqüência. Filme simples, de narrativa linear, mas de argumento denso, que faz jus às seis indicações que recebeu, entre elas de filme, direção e ator para Sean Penn.
As boas surpresas vindas da Academia para a festa dos "medalhões já consagrados" ficam por conta de "Encontros e Desencontros" - título desastroso em português para "Lost in Translation" e "Cidade de Deus". Se o primeiro trabalho de Sofia Coppola, "As Virgens Suicidas", de 2000, já era bem construído e impressionava pela temática "indigesta", "Encontros...", que resgatou do ostracismo Bill Murray - que concorre como melhor ator - trata justamente da perplexidade dos protagonistas ao se depararem com a cultura japonesa, em viagem a Tóquio. A filha de Francis Ford exibe de maneira sutil o sentimento de estranhamento de suas personagens perante as grandes megalópoles mundiais que se parecem tanto se vistas de longe, mas que mantêm suas idiossincrasias, a despeito de todo processo de globalização.
Sem o clima de "Copa do Mundo" que marcou todas as participações brasileiras no Oscar, durante a década de 90, as quatro indicações de "Cidade de Deus" corrigiram a "injustiça" de que tanto reclamou Harvey Weinstein, presidente da Miramax, pelo fato do filme não ter concorrido o ano passado na categoria "Filme Estrangeiro". O longa de Fernando Meirelles e Katia Lund - ignorada pela Academia - tem boas chances em montagem e roteiro adaptado. Independentemente de ganhar ou não uma ou mais estatuetas, o filme tem o mérito de colocar o Brasil em categorias importantes do Oscar, como direção e fotografia, ampliando o feito de Fernanda Montenegro, ao ser indicada em 1999 como Melhor Atriz por sua participação em "Central do Brasil", de Walter Salles, que também concorreu como "Filme Estrangeiro".
A história do núcleo habitacional tomado pelo tráfico de drogas no decorrer da década de 70 segue a forma hollywoodiana. A fôrma nem de longe. Apesar de as indicações darem munição aos críticos contrários ao filme, um Oscar, além de completar a galeria de grandes premiações que têm marcado o cinema brasileiro da Retomada, garantiria uma injeção de ânimo, principalmente nos investidores, para que o cinema brasileiro continue no ritmo de produção em que se encontra.
(Gazeta Mercantil/Fim de Semana7)(Márcio Rodrigo)
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