quarta-feira, março 02, 2005

Publique o texto abaixo na edição de sexta, antes do Oscar.
Concordo que "Sobre Meninos e Lobos" era melhor que "Menina de Ouro", mas no ano do "Senho dos Anéis" sem chances....
Contudo, não vejo o filme de Eastwood como maniqueísta. É apenas uma história bem contada de um diretor que conesegue manter seus focos....
Surpreendi-me, acima de tudo, com os não Oscars a Scorsese. Creio que ele seja hoje um dos melhores diretores americanos e tenho com sua obra a mesma relação que com a de Walter Salles: até quando o filme é ruim, ele é bom, entendem ?
O fim de meu texto também, após os resultados de domingo, são um tanto quanto questionáveis...rs


O homem ou o mito?
25 de fevereiro de 2005 - Não constitui nenhuma novidade que Hollywood sempre transformou seus astros em verdadeiros mitos vivos, pairando nas telas do cinema. Boa parte dos estrondosos sucessos produzidos nas bilheterias ao redor do mundo pelos filmes americanos, desde que a Sétima Arte nos Estados Unidos se solidificou como uma indústria, a partir da década de 20, apoiou-se no star system, ou, maneira pela qual os grandes estúdios mantinham como staff fixo atores e atrizes de grande apelo ao público.
Mito, uma palavra recorrente tanto para encantar multidões quanto para construir personagens que eram muito mais que seres humanos, eram verdadeiros super-heróis prontos a seduzir por sua perfeição, beleza, coragem e tantos outros atributos positivos que marcaram a maciça maioria dos ídolos americanos. Ocorre que, na contramão da práxis hollywoodiana, este ano os longas indicados ao Oscar, independentemente da categoria, justamente buscam evidenciar o caráter mais humano das personagens, desmitificando-os. A única exceção fica por conta do Howard Hughes vivido por Leonardo DiCaprio em "O Aviador", de Martin Scorsese, filme que parece fadado a levar o maior número de estatuetas da noite do próximo domingo no Kodak Theatre. Com transmissão ao vivo pela Rede Globo e pelo canal pago TNT - que leva à Los Angeles Rubens Ewald Filho, maior especialista brasileiro no assunto -, o 77 Oscar, ao contrário do que ocorreu no ano passado, em que privilegiou filmes que traduziam fielmente a maneira industrial americana de se produzir cinema e ratificar o star system, trouxe uma seleção de obras com certo gosto de "produção independente", ao menos ao que se refere à caracterização de seus personagens principais. É assim que, por exemplo, indicados à categoria de "Melhor Filme", apresentam um retrato bem pouco glamourizado e muito mais humano, pois carregados das contradições e paradoxos da vida, de seus personagens, a começar por "Ray", de Taylor Hackford, que traz Jamie Fox na pele de um Ray Charles envolvido com drogas pesadas, pai distante e egocêntrico por essência, numa performance muito distante do pianista simpático, exibido pela mídia ao longo de mais de 60 anos de carreira do cantor.
O mesmo ocorre com a dupla Miles e Jack, de "Sideways", de Alexander Payne, legítimos anti-heróis, que saem para uma despedida de solteiro pelo Vale do Vinho, na Califórnia, questionando todos os valores morais estabelecidos, inclusive o "amor eterno", tema de um sem-número de filmes hollywoodianos. O melhor exemplo, contudo, dentro dos indicados à categoria principal, é "Em Busca da Terra do Nunca", de Marc Foster, que conta a melancólica história de Sir James Matthew Barrie, criador do clássico da literatura infantil "Peter Pan". O filme narra de maneira sensível, com ótima atuação de Johnny Depp no papel principal, a malvista relação do escritor, um homem casado, com a senhora Sylvia Davies, viúva e mãe de quatro filhos, que inspiraram a criação do personagem morador da "Terra do Nunca". Se "Peter Pan" é sonho alegria e fantasia, Barrie tem do personagem apenas a eterna vontade de não crescer e ter de se adaptar a uma sociedade adulta, hostil a quaisquer manifestações mais marcadas pela emoção do que pela razão. Não menos significativas são as personagens apresentadas em "Mar Adentro", de Alejandro Amenábar, espanhol que desbancou a indicação de "Má Educação", de Almodóvar, ao Oscar de "Filme Estrangeiro", e "Diários de Motocicleta", de Walter Salles, concorrente nas categorias "Roteiro Adaptado" e "Canção Original". A vontade de morrer do tetraplégico Rámon Sampedro, interpretado por Javier Bardem, em "Mar Adentro", é tratada de uma maneira extremamente delicada e sem melodramas, algo raro num filme sobre eutanásia.
Tema e tratamento, aliás, que se repetem com a mesma maestria no ótimo "Menina de Ouro", de Clint Eastwood, o maior merecedor do Oscar de "Melhor Filme" do ano. Indicado pelo excepcional "Sobre Meninos e Lobos", em 2004, o ator e cineasta volta à carga, num filme que traduz toda a competência e olhar sensível de quem há mais de cinco décadas se dedicada ao cinema. A história singela da boxeadora Maggie e de seu treinador Frankie, passa muito longe de qualquer referência sobre filmes do gênero produzidos na América, discutindo com olhar acertado e surpreendente - bem ao gosto de Eastwood, que tem se tornado mestre em praticar reveses em seus longas, altamente enriquecedores para o enredo - o que é viver e morrer sem nunca perder a dignidade.
Já o filme de Salles tem o dom de retirar toda a áurea de guerrilheiro eternizada na figura do revolucionário argentino Che Guevara, expondo toda a "perplexa ternura" da personagem em relação aos habitantes e problemas sociais da América Latina. Contudo, a grande eloqüência com que Scorsese conta a história de "O Aviador" deverá levar o diretor a ser o grande vencedor da cerimônia. Embora, o cineasta "esqueça" todos os detalhes polêmicos da vida do milionário Hughes, sua história é cinema hollywoodiano puro, com todos os elementos que tanto agradam a Academia de Artes e Ciências Cinematográficas. Afinal, desmiticar sim, mas só até um certo limite. Hollywood ainda é essencialmente sonho. (Gazeta Mercantil/Fim de Semana - Pág. 5) (M.R)

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