Leituras transversas
A questão que levantei, no comentário ao texto do Márcio, diz respeito à questão da indústria sim. Refere-se ao processo de fabricação de narrativas, a partir de um molde prévio: apresentação, conflito e resolução, tipicamente ocidental (por conta do modelo do discurso científico: introdução, desenvolvimento e conclusão) e, mais caracteristicamente americanizado, no caso dos happy ends melodramáticos e pedagógicos, típicos do modelo cinematográfico numa cultura imperialista. Convém lembrar que o cinema, enquanto produto cultural, é processo industrial por excelência, embora este fenômeno cultural não necessariamente se desenvolva em culturas industrializadas, como é o caso da Índia. Trata-se, entretanto, de culturas capazes de reprodução em série (sejam objetos, pessoas ou narrativas... risos). Não existe indústria de cinema em culturas incapazes de auto-repetir-se, já observou? O cinema (como fenômeno industrial) é pobre em culturas hipercomplexas, como é o caso latino-americano.
Não se faz cinema sem o pressuposto da cultura como espetáculo de uma classe para as demais.Nossa elite é tímida, mesmo extravagante... Não existe cinema que coexista com modelos sociais antropofágicos, badernados ou híbridos. Esta é uma questão de economia das trocas simbólicas. Sociedades mestiçadas, carnavalizadas no sentido baktiniano, já são cinematográficas per si. Não é à toa que tais sociedades desenvolveram a televisão. Aqui, abaixo do Equador, o modelo narrativo, se for analisado à lupa, é caótico, polifônico,feito às pressas e de viés. Por tudo isso é bem feito enquanto modelo auto-reprodutível. O antagônico do cinema ou, pelo menos, sua antítese mais apurada. Hollywood não deu certo aqui porque somos, desde a origem, imagem imperfeita do criador/colonizador... Ai reside nossa grandeza como produtores de audiovisuais e nossa miséria como cinéfilos...
Da mesma forma o modelo de Shopping Center não deu certo na Bahia, pois são inconcebíveis um tabuleiro de acarajé e uma negra rodando ao cheiro de dendê no topos clean do capitalismo internacional.
Parte 2:
Estamos conversando sobre dois assuntos, embora profundamente imbricados, diferentes. O primeiro refere-se à necessidade cultural de se construir fábulas. A cultura é constituída, também (ou sobretudo) da dimensão do abuloso, do maravilhoso, do transcendente. O virtual nos habita e, para esta dimensão é urgente dispor de meios de representação.
Cada cultura desenvolve os seus, conforme suas capacidades e horizontes. Estas narrativas
são, em sua maioria, pedagógicas, pois nos reconectam à correia de transmissão dos valores culturais. Seus meios de difusão são econômicos - no sentido ético. Esta é uma questão geral, que diz respeito ao
processo civilizatório, verificado nas mais distintas civilizações.
O segundo assunto é o cinema como uma das atualizações desta dimensão geral. Neste sentido, o objeto cinema, quer seja americano ou não, se configura como meio industrial, circunscrito ao seu tempo e espaço. Mesmo aquele cinema mequetrefe, feito ali na esquina, não pode fugir a estas duas
regras gerais. Mesmo o cinema mais experimental, abstrato, de arte, ou como quiser denominar, está submetido à regra da indústria. O motivo da longevidade do cinema não está nele mesmo mas na atualização da necessidade, demasiada humana, de reproduzir, com os meios que dispõe, a
dimensão do maravilhoso. Ene fábulas sobre a virgindade foram construídas. Poucas sobreviveram como a do Chapeuzinho Vermelho, recontada em A secretária do Futuro (risos). Não se trata da descartabilidade mas, ao contrário, dosmeios de reciclagem de estruturas narrativas atávicas.
O esperte, vc sabe muito bem disso, também faz isso como meio derepresentação. Hoje o esporte espetacularizado, produzido em série e difundido em escala não é descartável, não pelo espetáculo,
mas pela necessidade humana de expressar suas lutas...
Da mesm a forma que o esporte é uma arte nele mesmo como manifestação, não porque os cartolas querem ou, ao contrário, fazem dele uma indústria prostituída, o cinema, mesmo o mais abjeto filme B feito apenas para o comércio em locadora, resguarda a dimensão da arte da representação... Mesmo
as mais obtusas manifestações carecem dessa ânima: a reprodução de estruturas narrativas primevas, que nos reconectam aos ancestrais.
Que papo é esse?
João Winck
A questão que levantei, no comentário ao texto do Márcio, diz respeito à questão da indústria sim. Refere-se ao processo de fabricação de narrativas, a partir de um molde prévio: apresentação, conflito e resolução, tipicamente ocidental (por conta do modelo do discurso científico: introdução, desenvolvimento e conclusão) e, mais caracteristicamente americanizado, no caso dos happy ends melodramáticos e pedagógicos, típicos do modelo cinematográfico numa cultura imperialista. Convém lembrar que o cinema, enquanto produto cultural, é processo industrial por excelência, embora este fenômeno cultural não necessariamente se desenvolva em culturas industrializadas, como é o caso da Índia. Trata-se, entretanto, de culturas capazes de reprodução em série (sejam objetos, pessoas ou narrativas... risos). Não existe indústria de cinema em culturas incapazes de auto-repetir-se, já observou? O cinema (como fenômeno industrial) é pobre em culturas hipercomplexas, como é o caso latino-americano.
Não se faz cinema sem o pressuposto da cultura como espetáculo de uma classe para as demais.Nossa elite é tímida, mesmo extravagante... Não existe cinema que coexista com modelos sociais antropofágicos, badernados ou híbridos. Esta é uma questão de economia das trocas simbólicas. Sociedades mestiçadas, carnavalizadas no sentido baktiniano, já são cinematográficas per si. Não é à toa que tais sociedades desenvolveram a televisão. Aqui, abaixo do Equador, o modelo narrativo, se for analisado à lupa, é caótico, polifônico,feito às pressas e de viés. Por tudo isso é bem feito enquanto modelo auto-reprodutível. O antagônico do cinema ou, pelo menos, sua antítese mais apurada. Hollywood não deu certo aqui porque somos, desde a origem, imagem imperfeita do criador/colonizador... Ai reside nossa grandeza como produtores de audiovisuais e nossa miséria como cinéfilos...
Da mesma forma o modelo de Shopping Center não deu certo na Bahia, pois são inconcebíveis um tabuleiro de acarajé e uma negra rodando ao cheiro de dendê no topos clean do capitalismo internacional.
Parte 2:
Estamos conversando sobre dois assuntos, embora profundamente imbricados, diferentes. O primeiro refere-se à necessidade cultural de se construir fábulas. A cultura é constituída, também (ou sobretudo) da dimensão do abuloso, do maravilhoso, do transcendente. O virtual nos habita e, para esta dimensão é urgente dispor de meios de representação.
Cada cultura desenvolve os seus, conforme suas capacidades e horizontes. Estas narrativas
são, em sua maioria, pedagógicas, pois nos reconectam à correia de transmissão dos valores culturais. Seus meios de difusão são econômicos - no sentido ético. Esta é uma questão geral, que diz respeito ao
processo civilizatório, verificado nas mais distintas civilizações.
O segundo assunto é o cinema como uma das atualizações desta dimensão geral. Neste sentido, o objeto cinema, quer seja americano ou não, se configura como meio industrial, circunscrito ao seu tempo e espaço. Mesmo aquele cinema mequetrefe, feito ali na esquina, não pode fugir a estas duas
regras gerais. Mesmo o cinema mais experimental, abstrato, de arte, ou como quiser denominar, está submetido à regra da indústria. O motivo da longevidade do cinema não está nele mesmo mas na atualização da necessidade, demasiada humana, de reproduzir, com os meios que dispõe, a
dimensão do maravilhoso. Ene fábulas sobre a virgindade foram construídas. Poucas sobreviveram como a do Chapeuzinho Vermelho, recontada em A secretária do Futuro (risos). Não se trata da descartabilidade mas, ao contrário, dosmeios de reciclagem de estruturas narrativas atávicas.
O esperte, vc sabe muito bem disso, também faz isso como meio derepresentação. Hoje o esporte espetacularizado, produzido em série e difundido em escala não é descartável, não pelo espetáculo,
mas pela necessidade humana de expressar suas lutas...
Da mesm a forma que o esporte é uma arte nele mesmo como manifestação, não porque os cartolas querem ou, ao contrário, fazem dele uma indústria prostituída, o cinema, mesmo o mais abjeto filme B feito apenas para o comércio em locadora, resguarda a dimensão da arte da representação... Mesmo
as mais obtusas manifestações carecem dessa ânima: a reprodução de estruturas narrativas primevas, que nos reconectam aos ancestrais.
Que papo é esse?
João Winck
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