Caros,
Segue o texto sobre cinema que escrevi pa esta edição do Fim de Semana.
Antes que me estrangulem, pessoalemente não gosto dos filmes de Sganzerla.
Márcio
O caos feito de luz
São Paulo, 16 de Janeiro de 2004 - D o primeiro ao último filme de sua carreira, o cineasta catarinense Rogério Sganzerla, falecido no último dia 9, não fez concessões estéticas ou éticas às mudanças ocorridas na produção fílmica brasileira ao longo dos últimos 35 anos. A transição lenta da ditadura para a democracia não "afetou" Sganzerla, que criou uma maneira mais que peculiar para expressar suas intenções por meio da película.
O diretor estreou na direção de longas com o clássico "O Bandido da Luz Vermelha", de 1968, pouco antes da promulgação do AI-5, naquele mesmo ano. O filme, que se passa em São Paulo - é inspirado na história do assaltante Acácio Pereira da Costa, que conversava e seduzia as donas das residências que atacava - chegou provocando debates, ironias e rupturas no meio cinematográfico brasileiro de então.
Sganzerla foi o primeiro diretor a tratar a figura do marginalizado, tão cara ao Cinema Novo, não somente como vítima, mas também como algoz, ambientando sua história em uma metrópole, onde promove pela ficção o "contato" dos desfavorecidos com a classe média.
Glauber, que desde a publicação do manifesto "Estética da Fome", em 1965, havia definido um "padrão" estético para o cinema no Brasil, denominou pejorativamente "O Bandido" de "Udigrudi", corruptela para o termo inglês "underground". Como observa o crítico de cinema Amir Labaki, a intenção de Sganzerla era "tirar o cinema brasileiro da seara dos dramas sociais do Cinema Novo, de inspiração européia e restitui-lo à influência americana: leve, popular, coloquial, mas nem por isso menos inventivo, crítico, profundo."
O filme era mesmo muito avançado para a época em que foi produzido. Com cortes secos, interpretação quase naturalista e inspirado em trabalhos de cineastas como Orson Welles e Godard, herdava do Cinema Novo sua "câmera na mão", que perambulava rápida, mas não usa aspirações e intenções políticas diretas. Aí reside o grande paradoxo de Sganzerla, que apesar de suas preocupações sociais em sua estréia em longa-metragem não abandonou suas posições estéticas, que causaram repúdio aos militantes do cinema novo e estranhamento aos adeptos ao cinema clássico.
Mesmo assim, a história, toda filmada no Centro de São Paulo, que a partir daí passa a ser denominada a "Boca do Lixo", atraiu um bom número de espectadores aos cinemas, ajudando a quebrar o "jejum" do público que se afastava dos filmes nacionais devido ao hermetismo do Cinema Novo. Ao lado de outro cineasta e amigo Julio Bressane - diretor entre outros de "O Anjo Nasceu" e "Matou a Família e foi ao Cinema", Sganzerla ajudou a manter viva a noção de "cinema de autor", tão cara aos diretores brasileiros naqueles anos de ditadura.
O cineasta da "luz vermelha" desenvolveu, ao longo de sua carreira, uma verdadeira obsessão pela estada de Orson Welles no Brasil, no início dos anos 40, para as filmagens de "É Tudo Verdade". Sganzerla, a exemplo do diretor de "Cidadão Kane", não admitia intervenções de qualquer ordem em seus filmes. O diretor não se rendeu à lógica do mercado ou à vontade do público, que na maioria dos casos prefere um cinema mais simples e de fácil compreensão.
Seu último filme "O Signo do Caos", vencedor do prêmio de melhor direção em novembro passado no Festival de Cinema de Brasília, não agradou muito à platéia e aí mais uma vez Sganzerla se encontrou com o paradoxo. O mesmo cineasta que em 1968 seduziu o público com "O Bandido" agora de certa maneira o afasta com sua obra mais recente. Mais uma vez volta à cena a visita de Welles e a retenção de material cinematográfico na alfândega. O filme, parte em preto-e-branco, parte colorido foi montado em ordem desconexa, fazendo associações por vezes sutis demais para que possam ser percebidas sem um conhecimento prévio da trajetória do cineasta e da história de Welles.
Sganzerla denominava sua última película como "antifilme", dizendo que a obra era uma defesa do cinema contra "burocratas", ou seja, contra o mercado e a política cinematográfica que continuaram influenciando a produção brasileira, ao longo dos anos. O cineasta, "marginal" por opção, não permitia concessões à sua liberdade estilística.
Foi a relutância e a insistência em continuar com seus preceitos que o afastou gradativamente do mercado, levando-o a se autoclassificar como um "sem-tela". A história do diretor se confunde com a história de Acácio Pereira, o "Bandido", transformado em ficção por ele. Após 30 anos de detenção, Acácio foi libertado e não sabia mais como viver em um país que havia mudado tanto. Queria voltar à cadeia. Sganzerla se "aprisionou" em sua própria visão de cinema e deu cada vez mais um caráter hermético a seus filmes. Contradições à parte, o rebelde que rompeu com o Cinema Novo em busca do público tem seu nome escrito à luz na história da cultura brasileira.
(Gazeta Mercantil/Fim de Semana2)(Márcio Rodrigo)
Segue o texto sobre cinema que escrevi pa esta edição do Fim de Semana.
Antes que me estrangulem, pessoalemente não gosto dos filmes de Sganzerla.
Márcio
O caos feito de luz
São Paulo, 16 de Janeiro de 2004 - D o primeiro ao último filme de sua carreira, o cineasta catarinense Rogério Sganzerla, falecido no último dia 9, não fez concessões estéticas ou éticas às mudanças ocorridas na produção fílmica brasileira ao longo dos últimos 35 anos. A transição lenta da ditadura para a democracia não "afetou" Sganzerla, que criou uma maneira mais que peculiar para expressar suas intenções por meio da película.
O diretor estreou na direção de longas com o clássico "O Bandido da Luz Vermelha", de 1968, pouco antes da promulgação do AI-5, naquele mesmo ano. O filme, que se passa em São Paulo - é inspirado na história do assaltante Acácio Pereira da Costa, que conversava e seduzia as donas das residências que atacava - chegou provocando debates, ironias e rupturas no meio cinematográfico brasileiro de então.
Sganzerla foi o primeiro diretor a tratar a figura do marginalizado, tão cara ao Cinema Novo, não somente como vítima, mas também como algoz, ambientando sua história em uma metrópole, onde promove pela ficção o "contato" dos desfavorecidos com a classe média.
Glauber, que desde a publicação do manifesto "Estética da Fome", em 1965, havia definido um "padrão" estético para o cinema no Brasil, denominou pejorativamente "O Bandido" de "Udigrudi", corruptela para o termo inglês "underground". Como observa o crítico de cinema Amir Labaki, a intenção de Sganzerla era "tirar o cinema brasileiro da seara dos dramas sociais do Cinema Novo, de inspiração européia e restitui-lo à influência americana: leve, popular, coloquial, mas nem por isso menos inventivo, crítico, profundo."
O filme era mesmo muito avançado para a época em que foi produzido. Com cortes secos, interpretação quase naturalista e inspirado em trabalhos de cineastas como Orson Welles e Godard, herdava do Cinema Novo sua "câmera na mão", que perambulava rápida, mas não usa aspirações e intenções políticas diretas. Aí reside o grande paradoxo de Sganzerla, que apesar de suas preocupações sociais em sua estréia em longa-metragem não abandonou suas posições estéticas, que causaram repúdio aos militantes do cinema novo e estranhamento aos adeptos ao cinema clássico.
Mesmo assim, a história, toda filmada no Centro de São Paulo, que a partir daí passa a ser denominada a "Boca do Lixo", atraiu um bom número de espectadores aos cinemas, ajudando a quebrar o "jejum" do público que se afastava dos filmes nacionais devido ao hermetismo do Cinema Novo. Ao lado de outro cineasta e amigo Julio Bressane - diretor entre outros de "O Anjo Nasceu" e "Matou a Família e foi ao Cinema", Sganzerla ajudou a manter viva a noção de "cinema de autor", tão cara aos diretores brasileiros naqueles anos de ditadura.
O cineasta da "luz vermelha" desenvolveu, ao longo de sua carreira, uma verdadeira obsessão pela estada de Orson Welles no Brasil, no início dos anos 40, para as filmagens de "É Tudo Verdade". Sganzerla, a exemplo do diretor de "Cidadão Kane", não admitia intervenções de qualquer ordem em seus filmes. O diretor não se rendeu à lógica do mercado ou à vontade do público, que na maioria dos casos prefere um cinema mais simples e de fácil compreensão.
Seu último filme "O Signo do Caos", vencedor do prêmio de melhor direção em novembro passado no Festival de Cinema de Brasília, não agradou muito à platéia e aí mais uma vez Sganzerla se encontrou com o paradoxo. O mesmo cineasta que em 1968 seduziu o público com "O Bandido" agora de certa maneira o afasta com sua obra mais recente. Mais uma vez volta à cena a visita de Welles e a retenção de material cinematográfico na alfândega. O filme, parte em preto-e-branco, parte colorido foi montado em ordem desconexa, fazendo associações por vezes sutis demais para que possam ser percebidas sem um conhecimento prévio da trajetória do cineasta e da história de Welles.
Sganzerla denominava sua última película como "antifilme", dizendo que a obra era uma defesa do cinema contra "burocratas", ou seja, contra o mercado e a política cinematográfica que continuaram influenciando a produção brasileira, ao longo dos anos. O cineasta, "marginal" por opção, não permitia concessões à sua liberdade estilística.
Foi a relutância e a insistência em continuar com seus preceitos que o afastou gradativamente do mercado, levando-o a se autoclassificar como um "sem-tela". A história do diretor se confunde com a história de Acácio Pereira, o "Bandido", transformado em ficção por ele. Após 30 anos de detenção, Acácio foi libertado e não sabia mais como viver em um país que havia mudado tanto. Queria voltar à cadeia. Sganzerla se "aprisionou" em sua própria visão de cinema e deu cada vez mais um caráter hermético a seus filmes. Contradições à parte, o rebelde que rompeu com o Cinema Novo em busca do público tem seu nome escrito à luz na história da cultura brasileira.
(Gazeta Mercantil/Fim de Semana2)(Márcio Rodrigo)
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